Na Itália sem guia

Allan na ItaliaCansado de ser o santo da casa que não faz milagre, Allan aceitou um convite para abrir um restaurante brasileiro na Itália. O projeto ficou no papel e o Allan com a família (esposa e duas filhas de 4 e 7 anos) decidiram ficar. As meninas cresceram, o projeto do restaurante foi substituído e a vida vai sendo tocada em frente com ironia e as novas descobertas. De costumes e sabores.

– Nome:
Allan Robert P. J. (a pronúncia correta é állan).

– Onde nasceu e cresceu?
Rio de Janeiro. Rua Constante Ramos, Copacabana, Posto 5. Mas não é para espalhar.

– Em que país e cidade você mora?
Itália. A cidade é Piacenza (piatchêntza), entre Parma e Milão.

– Você mora sozinho ou com sua família?
Sou casado há 21 anos com a paulista Eloá e temos duas filhas soteropolitanas, Bianca e Luiza. Moramos todos juntos desde sempre e, às vezes, é uma baderna.

– Há quanto tempo você reside nesse local?
Desde a primavera (brasileira) de 1999.

– Já residiu em outro(s) país(es) antes dessa experiência?
Sim, no Brasil.

– Qual sua idade?
Nasci em 1959. Faça as contas em voz baixa.

– Quando surgiu a idéia de residir no exterior?
Quando aquela grande cervejaria me demitiu por estar fora do perfil do cargo – eu era velho com 36 anos, mesmo tendo sido preparado para uma promoção – recebi o primeiro convite. Recusei e resolvi ficar para enfrentar os desafios de uma nova experiência (leia-se: arranjar outro emprego decente). Depois de dois anos ouvindo que estava acima das expectativas em todas as entrevistas e vivendo de pequenos trabalhos, decidi arriscar a vida fora.

– Foi difícil conseguir o visto de residência ou o visto de trabalho?
Minha esposa e as filhas já possuíam o passaporte italiano. Entrei legalmente com um visto de família, que me permitia trabalhar. Depois de algum tempo, recebi o meu próprio passaporte italiano.

– Você tem seguro saúde? Foi difícil obtê-lo antes ou depois da sua chegada?
Na Itália chama-se INPS (…é! Como o nosso velho INSS) e não há necessidade de haver um plano de saúde suplementar. Todos têm direito. Mesmo aos que vivem ilegalmente o direito à assistência médica é assegurada.

– Você trabalha? Como a renda familiar é obtida?
Arranjar emprego no centro-norte da Itália não é difícil. Trabalho como gerente de produtos frescos (presuntos, salames, queijos, massa frescas, iogurtes, etc.) de uma cooperativa de supermercados. Minha função é selecionar, provar, comprar, estocar e vender todos os produtos de geladeira, à exceção de congelados. Engordei muito aprendendo a apreciar os produtos locais.
Chegamos na Itália em Outubro de 1999 e até Janeiro de 2000 estava enrolado com o projeto do restaurante. Quando vi que não iria adiante fui procurar emprego e comecei a trabalhar uma semana depois. Pode parecer estranho para os nossos costumes, mas por aqui basta visitar as empresas em que gostaria de trabalhar e, na maioria das vezes, a coisa funciona. Pode-se optar pelo método de enviar currículo em respostas aos anúncios, mas o tempo de espera aumenta.

– Se a resposta anterior foi sim, você mudou de área depois da saída do Brasil ou continua no mesmo setor?
Sempre trabalhei na área comercial e logística, que é o que faço aqui. Mas tive que passar dois anos mostrando resultados e aprendendo tudo sobre os produtos até que me promovessem a gerente.

– Você fala a língua local? Você acredita que é importante aprender a língua local?
Hoje falo fluentemente o italiano, mas no início não tinha o completo domínio da língua e isso dificultou um pouco as coisas. Não falar a língua local provoca um certo mal humor e muita má vontade, para quem não é turista. Muita gente espera encontrar uma cidade bucólica, com moradores receptivos e simpáticos, mas nem sempre (na maioria das vezes, mesmo!) as coisas são como se esperava. Não dominar o italiano irá dificultar uma rápida integração e o risco de se guetizar fica enorme.

– O que você pensa sobre seu novo país e o local onde mora (e/ou onde morou)?
Eles respeitam os Brasileiros e outros expatriados vivendo nesse país?

No centro-norte italiano costuma-se dizer que a Itália termina em Modena. Se eles têm preconceito contra os italianos do sul, imagine como são com estrangeiros. Mas devo fazer uma ressalva de honra: Brasileiros costumam ser vistos como “de casa”. Somos melhor recebidos que os demais sul-americanos, africanos, europeus da antiga cortina de ferro e italianos do sul. Vale ressaltar que a imagem local sobre a mulher brasileira não é exatamente positiva.

– Você tem filhos? Se sim, eles se adaptaram ao novo país? Estudam e têm amigos locais?
Minhas filhas são italianas para todos os efeitos. Diz-se: “italianas de origem brasileira”. Como chegaram ainda crianças, aprenderam muito rápido a língua e estão completamente integradas, com amigos, escola, e tudo o que qualquer mocinha italiana entre 13 e 16 anos tem. Com a vantagem de possuírem uma outra cultura.

– Sente saudades da família no Brasil? Sente falta de produtos, alimentos e outras peculiaridades?
“Saudadji” é como os italianos falam para demonstrar que sabem algo sobre o Brasil. É difícil viver longe da cultura e dos valores comuns que construímos aos poucos. Da família e dos amigos, mas vamos fazendo novos amigos e buscando não deixar que a saudade interfira muito no dia-a-dia. Desde que cheguei faço compras no mercadinho chinês. Feijão preto, arroz tailandês, farinha de mandioca, mandioca e outros produtos são facilmente encontrados, apesar do preço mais alto. Uma garrafa de cachaça (eles são loucos por uma boa caipirinha) custa mais que uma de uísque. A única coisa que realmemte faz falta é o paio da minha feijoada.

– O que costuma fazer nas horas vagas, finais de semana e feriados? Quais as atividades recreacionais existentes?
Férias na praia (no máximo 15 dias); piscina pública no verão; passeios e pizzas nos fins de semana; museus, mostras, cinema e shows; festas populares – cada lugarejo tem a sua – que iniciam na primavera; campeonatos de vôlei e basquete das meninas, com viagens de até 150 km; jantares com os amigos; bares e restaurantes. Tá bom? Vida agitada, né?

– Você tem planos para o futuro? Pretende viver nesse país para sempre?
Considerando que os nossos planos não tiveram o desfecho esperado, decidimos não planejar demais o resto da vida. Certamente tornaremos a viver no Brasil, mas não temos certeza de que nossas filhas voltarão conosco. [Reparou que usei a terceira pessoa do plural?]

– Você comprou ou alugou o local que reside? Quanto pagou ou paga por isso? Comprar imóveis é algo comum nesse país?
Moro de aluguel e pago € 6000,00 por ano. Sempre ficamos em dúvida quando pensamos em comprar um imóvel, mas acho que compraremos um até o ano que vem, já que os preços estão caindo. Um imóvel em uma cidade média, de três quartos, custa algo como € 250.000,00. Comprar imóveis é comum também na Itália, mas os juros variáveis foram acossados pelo terremoto econômico pós-euro somado à alta do petróleo e à quebra da economia americana. Tem muita gente indo morar com os sogros, que neste país faltam pontes.

– Qual o custo de vida?
Depende muito da região. No sul a vida custa menos, mas os salários e as oportunidades também são menores que no norte. Na cidade onde moro é impossível para uma família de 4 pessoas, como a nossa, viver com menos de €2.500,00. O salário inicial de um operário é de €950,00 líquidos. Vai ter que esperar algum tempo para casar e ter a própria casa. Maço de cigarro: €4,00; cerveja no bar: €3,00; cinema: €8,00. café: €1,00; jeans em loja sem grife: €70,00; pizza: €8,00; 1 kg de carne de 1ª: €18,00. Ou seja: se quiser fumar, não vai poder sair de férias nem ir ao Brasil a cada dois anos.

– Quais os pontos positivos e negativos de morar nesse país?
A infra-estrutura básica (escola, saúde, segurança, etc…) é superior ao que estamos acostumados no Brasil, mas ainda de qualidade inferior a países como França, Alemanha, Bélgica, etc. A cultura histórica e as manifestações artísticas são o ponto mais alto da Itália. É sensacional passear em lugares históricos, de uma arquitetura diversificada e com a cultura eno-gastronômica dessa terra. Mas nem tudo são flores. A obtusidade, o excesso de burocracia e uma superficialidade nas relações (além de um assombroso racismo), desestimulam e, muitas vezes, amarguram os estrangeiros.

– Qual a curiosidade que mais te chama a atenção nesse país?
É inacreditável como esse povo tem uma visão muito limitada de tudo. Vivem de estereótipos, lugares comuns e etiquetas.

– Você tem sugestões ou dicas para pessoas que pretendem viver nesse país?
Aproveitar que a maioria de nós possui duas orelhas e apenas uma boca para aprender a escutar mais do que falar. Tempo e paciência são a receita para integrar-se completamente (e lembrar-se de que integrar-se não significa abrir mão da própria cultura, mas absorver uma outra). Não perder muito tempo comparando culturas diferentes e procurar dar o melhor de sí. Sempre.

– Você gostaria de recomendar algum web site ou blog relacionado à esse país?
* Tenho um blog onde procuro escrever sobre as diferenças culturais: http://www.cartadaitalia.blogspot.com

* Sugiro outros três blogs divertidos de brasileiros na Itália:

Flávio Prada: http://www.verbeat.org/blogs/lixotipoespecial

Daíza: http://www.farofananeve.blogger.com.br (Veja a entrevista dela no Entrevistando Expatriado, clique aqui)

Meiroca: http://meiroca.com

* E um blog com dicas para quem pretende viver fora:

http://www.sairdobrasil.com

23 Respostas

  1. […] Original post by Entrevistando Expatriados […]

  2. Esse post devia ter vindo antes.

    Eu teria passado menos tempo me perguntando se a pronúncia é Állan ou Allán. 🙂

  3. Allan, gostei demais de ler a sua entrevista, pois conheci você um pouco mais. O engraçado é que você é exatamente o que eu imaginava: um cara muito gente fina. Bastante sucesso aí na Itália e por favor, não volte para o Brasil.

  4. Állan, kakakkakaka, nem sei se antes eu já falava seu nome assim, acho que nao.

    Eu também sinto falta de Paio quando faco feijoada por aqui, típico dos cariocas.

    Sua entrevista foi ótima!!! E é assim mesmo, nao podemos mesmo ficar comparando as culturas, temos mesmo é que nos encaixarmos nela. Eu adoraria viver na Itália, Espanha, em países mais quentes e com praia, mas vivemos numa parte da Alemanha sem praia e eu tive que me acostumar e nao pensar mais na praia na Barra, no surfe, essas coisas. Devo confessar que estou há mais tempo por aqui, 15 anos nao é brincadeira. Por isso, quando saímos de férias para o MAR, como vc mesmo diz que para nós cariocas ter MAR nas férias é fundamental, e isso é verdade, eu aproveito cada minuto com ele.

    Que bom que você arregacou às mangas e entrou logo no eixo, até porque com 2 filhas vc precisava mesmo logo se adaptar e a dizer porque estava ai neste país.

    Te desejo sucesso e que vc junto a sua família continuem felizes.

    Abracos

  5. Esse emprego deve ser bem gostoso, o problema é não acumular calorias depois. ótima entrevista.

  6. Lendo a entrevista conheci mais um pouco do Allan (com acento no A, do jeito que imaginava) e sua família. A vida de cada um dá um livro, uma novela, provavelmente com dramas e comédias. Mas o Allan tem uma maneira especial de contar as coisas, uma literatura ‘superior’, talentoso. Por isso acompanho o CartadaItália há algum tempo e acho ótimo quando ele me visita no PrasCabeças.

  7. Maravilha de entrevista 🙂
    Parabéns!!!

  8. Muito boa, Állannnnnnn…
    Eu respondi a entrevista e esqueci de mandar… eita!

  9. […] Na Itália sem guia Cansado de ser o santo da casa que não faz milagre, Allan aceitou um convite para abrir um restaurante brasileiro na […] […]

  10. Fiquei super orgulhosa ao ver que o super Allan, citou o meiroca.com

    Valeu
    Beijos em vc super Mi.

    Meire

  11. ALLAN,SOU EU DE NOVO ;NAO ESQUEÇA DE MIM SIRIA,,,,,
    MOREI MUITO TEMPO EM LISBOA AI VOLTEI EM 97 P/ O BRASIL DEPOIS DE LUTAR E GASTAR E QUE CONSEGUE MINHA CIDADANIA,,,,, POR ISSO QUERO TIRAR UMAS DÚVIDAS… OBRIGADO,,,,,,,,,,,,PROVASI,,

  12. obrigado ,por responder ,,,,,,,,,,
    DEUS O ABENÇOE SÃO OS VOTOS DA FAMILIA…..

  13. Allan,

    Parabéns pela nova vida.
    Achei interessante quando você fala do site MEIROCA, recebi este apelido em 87 quando comecei a trabalhar.

    Meire

  14. Meire,

    Eu novamente, moro na Alemanha e semana que vem acho que vou conhecer o seu País.

    Meire B.

  15. […] – Allan [entrevista] [blog pessoal]: A atual crise econômica tem mostrando até agora apenas uma pequena parte dos […]

  16. adorei tudo que vc disse Allan, eu percebir tudo isso pessoalmente quanto tive ai no norte da italia na comuni de cassano Magnago ( va ) estive ai por 3 meses mais mesmo asim gostei muito da italia cara que gastronomia fantastico os vinhos nem se fala, eu gostaria muito de trabalhar ai na italia independente onde seja, estou a disposição se presizar. Um abraço e fique com Deus, sua historia de vida ta linda e vai dar certo. arrivederci ,mangiavano più

  17. Allan, adorei ler teu depoimento. Estou na Italia ha quase dois anos, e me identifiquei muito com as tuas observaçoes de italo-brasileiro.
    Sobre os pontos negativos, vc tirou as palavras da minha boca:
    “A obtusidade, o excesso de burocracia e uma superficialidade nas relações (além de um assombroso racismo), desestimulam e, muitas vezes, amarguram os estrangeiros.”

    “É inacreditável como esse povo tem uma visão muito limitada de tudo. Vivem de estereótipos, lugares comuns e etiquetas.”

    Essa superficialidade nas relaçoes dos italianos me cansa muito tb, ainda mais eu que moro em Trento, o povo aqui é particular, vivem fechados entre as montanhas. Haja paciencia para entender essa cultura. E sao assombrosamente racistas msm. Qdo conheço um italiano mais mente aberta, me sinto mais aliviada….pena, pois o pais é lindo, e muitos mergulham em um negativismo, naum ampliam seus horizontes (aqui naum se ve o por-do-sol, ele se esconde entre as montanhas, ex. simples de como o mundo aqui parece bem pequeno)…

    Tudo de bom pra vc aqui na Bota!

    Abraços

  18. Olá Allan!! Gostei muito da sua entrevista. TEnho um namorado italiano que voltou para a Italia há um mês. Mora na provincia de Mazzerata. Nossos planos eram dele encontrar um emprego e eu ir para a Italia, mas ele está tendo dificuldade para encontrar…você tem alguma dica para nos dar? dise que´na região que foi fácil encontrar emprego quando chegou em 1999…acha que hoje essa região continua assim?
    Desejo muito sucesso a você e toda a sua família.
    Obrigada desde já!!!

  19. Glayci,

    Desculpe pela demora na resposta.
    Infelizmente a crise está provocando um duro efeito na economia italiana. Em todas as regiões. Não é o momento melhor para encontrar um emprego ou mudar de atividade.
    O importante é não se deixar abater e seguir em frente.
    Tenho um blog onde procuro contar um pouco dessa minha experiência. Se quiser, passe por lá:
    cartadaitalia.blogspot.com

    E não deixe de ler as outras entrevistas de brasileiros na Itália, aqui mesmo no Expatriados.

    Boa sorte!

  20. Olá Allan fico muito feliz e grata por divulgar meu site em sua matéria.

    Obrigada super beijo!

  21. Olá Allan, muito prazer. diferente de muitos aqui, ainda moro na tropicalia.
    Achei este blog em uma pesquisa para negócios, assim, quando li sua entrevista, excelente por sinal, surgiu uma leve esperança de que eu possa conseguir ajuda, na verdade, socorro!
    Preciso de esclarecimentos para fornecimento de bebidas, assim qualquer ajuda é muito bem vinda. Não sei como entrar em contato direito com vc , desta forma aguardo seu retorno por aki mesmo . Muito obrigada e lembranças a famlia

  22. Claudia,

    Mantenho um blog onde conto um pouco dessa aventura que vivemos – eu e minha família – há dez anos:
    cartadaitalia.blogspot.com
    meu e-mail: allanrpj@gmail.com

    Mas não deixe de ler as outras entrevistas deste blog. Tem muita coisa interessante e divertida.

    Allan

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